terça-feira, 13 de agosto de 2019


Oração a Pedro (Sobre a tecnologia)
(texto de 2017)

É nesses dias de recaída da sua resistência que fico pensando o que fazer, onde eu tenho errado e se não há mesmo mais nada a fazer. Acertar ou errar quando se cria um filho são situações que vivem em uma tênue linha. Na corda bamba, como meu coração, que fica bambo quando você não está bem. Você não é de muito choro, e não fosse sua rinite praticamente não ficaria doente. A esperança agora nos veio em forma de vacina. Apostamos as fichas e um dinheiro que nem podíamos gastar para te ver bem. Mas pouco importa, pois de tudo o que o dinheiro pode comprar, nada me faria feliz se não fosse com/para você. Você é uma bênção. E fico pensando em que ponto dessa estrada eu parei. Em que coisas ou situações ainda penso estar em falta e qual é o motivo de eu ainda transferir as faltas alheias para mim.
Eu sei com convicção que nos bastamos. Sei do meu amor e o quanto ele é grande. Não sei a medida certa do amor das outras pessoas, mas sei que você é amado o suficiente, que tem e sempre terá tudo o que precisa para crescer feliz. A felicidade é tão simples, tão absurdamente simples, que o que temos, nós dois, não precisa de exposição. Não precisa de posts, nem de ganhar “likes” nas redes sociais. Não há culpa, há calma e serenidade. Isso é ser feliz.
O costume às tecnologias tem sido tão comum e social nos últimos anos, que sucumbimos a ele. Tenho refletido muito sobre isso, sobre essa necessidade desnecessária que as pessoas andam tendo de expor suas vidas. Devo ter exagerado várias vezes. Mas sei que o amor que temos é sempre maior do que toda essa ilusão.  E, não bastasse as fotos, há também os escritos. É que a sua mãe, meu filho, tem uma necessidade estranha de escrever. Quer rimar, quer colocar no papel algo que toque as pessoas. Quer entender as coisas que vivemos através dessa escrita. Quer reconstruir, reviver, recriar, curar as dores e experimentar sabores escrevendo. Você tem sido meu melhor tema, meu mote preferido, o amor mais puro. Escrever sobre você é acertar sempre. Longe desses estrelismos desnecessários para o que realmente importa em nossas vidas, peço que me perdoe se, ao crescer, achar isso tudo muito sem graça: “Credo, mãe. Que mico!”. Mico, ou qualquer outra gíria “da moda”, vai saber. Essa inclusive já está ficando ultrapassada.
De qualquer forma, é sempre incrível quando constato que o nosso melhor flash é a luz do abajur que te encaminha para o sono, ou a luz do sol sob o qual você corre e descobre o mundo e as cores. Quando te abraço e criamos nossas acrobacias ou organizamos nosso show particular de instrumentos improvisados, nos transformamos em verdadeiros astros. Essa é a melhor (e real) vida que existe no mundo.

GRATIDÃO 

Graça genuína
Gratuita
Coração à mostra
Em gestos de amor
Na dor do irmão
E nas graças que me dão

Vanessa Zordan 


Fragmentos da infância

Vesti-me daquela música, máquina do tempo
Fita cassete, disco de vinil
Voltei ao passado num piscar de olhos
Quando eu vi estava de novo ali
A casa dos tios/padrinhos
O violão azul
A maionese
O doce de gelatina
Elástico, bonecas, bolinha de sabão com caules de mamona
(a tia os cortava, e essa era a graça)
Dormia na casa dela no final de semana
Para brincar com a prima.
O coração doía de deixar a mãe
Mas doía também se não fosse ver a tia.

Tinha vontade de ser elas (tia/mãe)
As duas com suas roupas brancas de hospital
Era o tio também que me comprava os doces que eu gostava
E nos levava à matinê do carnaval ou ao circo/parque
Aventuras no fusca vermelho, que senti tanto quando ele vendeu.

Ontem foi dia dos pais, e voltei ao passado
Num tempo em que tudo queria, mas nada podia
Hoje tudo posso, e pouco quero
Contradições da vida adulta...

Vanessa Zordan