segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Isso passa




Não quero falar sobre a chuva
Aqui dentro não chove
E nada floresce ao meu redor

Não quero falar sobre o sol
A semente não germina
E não se colhe os frutos

Não quero falar sobre a esperança
Ela se esvai a cada momento
Em que minha palavra é desacreditada

Não quero falar sobre o vento
Ele sopra para longe minhas esperanças
Em disseminar o novo, braços ao longo do corpo

Não quero falar sobre as flores
Elas são tímidas e estão ocupadas
Em nascer em outros jardins

Não quero falar sobre o tempo
Ele é o único que acalma minhas dores
Mas hoje se faz inútil

Não quero falar sobre borboletas
Com elas voam minhas convicções
A agora estão todas suspensas no ar

Não quero falar sobre o mar
O sal grosso afastou maus olhados
Mas alguns ainda permanecem

Não quero falar sobre sonhos
Hoje, temporariamente, eles me deixaram
Mas espero que amanhã voltem a ser ao menos lua.

Vanessa  Zordan

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Quem é Dalva

(À Dalva de Lima Ferreira)


Quem é Dalva?
É fácil responder

Raro exemplo
Eterno alento
E sábia constatação
Que desta vida nada se leva
Nunca lhe custa ajudar um irmão
É o que carrega em seu coração

Sempre pronta a servir
Até prevendo o porvir
Palavras certas para cada ocasião
E ombro amigo para escutar

Singular sabedoria
Faz da vida eterna alegria
Coração exageradamente grande
Rega esperança em flor
Tudo o que faz é plantar o amor

Mulher forte e corajosa
Divide tudo o que sabe
E deixa em cada um a vontade
De ser um pouco Dalva
Coração, doação

Quem é Dalva?
É fácil responder
Dalva é um incrível ser
A quem Deus, nosso senhor
Confiou um arcanjo poder
O de estar, meio lá, meio cá
Anjo de asas em corpo de gente

Vanessa Zordan

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Senhor tempo



Tempo, tempo
Senhor dos destinos
Faz do homem o menino
De anos atrás
E da vida e suas penas
A certeza, apenas
Que de pena em pena
Pássaro se faz.

Vanessa Zordan

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Nasce um poema



É uma vontade estranha
Não sei explicar a façanha
Meu corpo é tomado de morno calor
E meu peito se abre em flor
O lirismo brota em meu olhar
E palavras dançam
Qual vento a soprar
Um bailado no ar
Beliscam-me, cutucam, invadem
Riem, rimam, brincam, cantam
Juntam-se como que por milagre
E deslizam na folha em branco
Forma e versos
Como se possuíssem vida
E possuem
Diante dos meus olhos
Explodem em graça suprema
E assim nasce um poema

Vanessa Zordan 

domingo, 4 de novembro de 2012

Minha vida




Gosto fácil das pessoas
Mas o contrário também se aplica
Dificilmente odeio alguém
Acho os esquecimentos mais interessantes
Não há receita para recolher os cacos
Nem para apagar mágoas reminiscentes 
Mas creio que brincar com os tropeços da vida
Seja uma boa filosofia
Se ela me entrega o choro, rio
E deságuo em leitos e correntes brandas
Eu decido se nado ou morro na praia
E, obviamente, decidi nadar.
Quanto às minhas metades
Junto todas e as faço inteiras
Inteiras são as minhas verdades
E assim, íntegra, escrevo a passos calmos
A história que se chama minha vida.

Vanessa Zordan

sábado, 3 de novembro de 2012

Outros olhos

As coisas já voltaram ao normal
Os ânimos se acalmaram
As feridas estão fechando

As discussões foram esclarecidas
Os desencontros, justificados
Os mal entendidos, explicados
A falta de amor foi compreendida
A ausência de respeito, perdoada
A falta de crédito, esquecida
A possibilidade de diálogo, reinventada
A agitação nas decisões foi reprimida
O desconforto da presença ausentou-se
Foi levado a outra página e lá ficou,
Escondido num glossário imaginário
Tantas coisas já mudaram
Outras não mudarão jamais
E nessa gangorra subo e desço
Caio e levanto, choro e rio.
Vejo a vida e ela me modifica
E me vê com outros olhos.

Vanessa Zordan 

Pipas

Imensidão de pessoas
Propostas vazias
Coisas que não fazem sentido

Inúmeras pseudocompanhias
Que na realidade
Não passam de ilusão
Mas a verdade
É que me sinto só.
É a pior solidão que existe
A da companhia nula
Que não é de fato,
Senão vento.
Mas deixa estar
Ainda solto pipas.

Vanessa Zordan 

Bem vindo

É a sua voz e o seu jeito
Nada feito, não dá para disfarçar
Não há como me distanciar

Deste meu gosto infeliz
De querer o que não pode ser
Ter você por um momento
Infiltrar-me em seus braços
Descansar em seu peito
Freqüentar seu leito
Seus pensamentos
Seu coração
Dedicar-lhe um poema
Uma música, um sorriso
Ser cúmplice do seu olhar
Estar ao seu lado sempre
Sem ter que esperar vencer o mês
Várias vezes por semana ter seu cheiro
Todos os dias é pedir demais?
E quem sabe um dia
Fazer parte da sua lista
De pessoas boas para se lembrar
Durante o dia ou a qualquer hora
Raiva de ter nascido neste lugar
A geografia que me perdoe
Mas ela bem que podia
Fazer você morar ali.
Ou aqui dentro
Porque mesmo que doa,
E que me cortem os espinhos
Dessa rosa trêmula
E me machuquem inteira
Ainda assim não há maneira
De fechar as portas para você
Bem vindo a esta casa
Que me consome e maltrata
Que me molha rosto e desidrata
A que chamo meu coração.

Vanessa Zordan 

Amarras

Arrebatador
É algo que
Arrebata a dor

E a rebate
Qual bolinha de Tênis
Quando a raquete
A acerta
Voo rápido
Para além das redes
E das amarras.

Vanessa Zordan 

Missão

Ninguém acreditava
Ninguém achava possível

Era semente rara e difícil
Estudei-a com cuidado para saber como plantá-la
Acreditei nela e a fiz saber disso
Adubei a terra
Preparei-a com carinho e dedicação
Acrescentei uma pitada de valor
Um punhado de sabedoria e dois de amor

Esperei o momento certo
Nem muito sol, nem muita chuva
Um pouco de cada
A semente esteve sempre ali
Só me bastava encontrar o melhor jeito
Para que ela florescesse

Preparei todo o entorno
Chamei público para assistir
Ao nascimento de uma flor
No começo era só a raiz
E um simples caule trêmulo
A furar a terra e despontar rumo ao sol
Mas era pouco, faltava caminhar mais
Não desisti

Com o tempo fui regando
Expondo a plantinha ao sol e a chuva
Dando o necessário e o possível
Para que ela rompesse mais e mais barreiras
E sabem o que aconteceu?
A semente foi se transformando em flor
E o público desacreditado
Assistia à sua evolução
Eram passos lentos, mas significativos...
Tudo a seu tempo.

Até que um dia finalmente
A flor desabrochou por inteiro
E mostrou suas pétalas coloridas,
Sedosas e radiantes ao astro rei.
Ela nunca mais seria a mesma
Abriu-se para a vida
E passou a ter seu lugar no mundo
Não era simples flor
Mas exemplo de algo
Em que se pode acreditar
E que, mais do que nunca,
Precisa de uma mão que acolha
E que colha seus frutos plantados
Para replantá-los e começar tudo de novo
Num ciclo sem fim.
É possível, acreditem!

Só me resta agora relevar um segredo
Para espanto de todos vocês:
Eu não sou jardineiro
Sou professor.

Vanessa Zordan 

Penápolis

A você princesinha
Do Noroeste Paulista é a estrela guia
Quantas vezes te odiei

Outras te amei profundamente
Tantos caminhos me afastaram de você
Tantos outros me fizeram regressar
E aqui permanecer
E meu amor só fez aumentar
Quantas vezes em terras distantes
Imaginava o que acontecia aqui
Tanta estrada a nos separar...
Mas com o pensamento, em segundos,
Vivia, respirava, sentia o ar penapolense
Não negava a raça da gente hospitaleira
Eu era Penápolis em qualquer ponto geográfico
Eu sou Penápolis e nunca deixarei de ser
Pelo pôr do sol, pelas praças
Pela avenida principal
Pela cultura e pontos sem igual
Pela escola das minhas primeiras letras
E que hoje ainda tanto me ensina
Pelos amigos/irmãos e os poemas
Pela família que é jóia rara
Pelas pessoas ilustres e anônimas
Sobretudo as anônimas que me são tão ilustres
Pelo encanto das conquistas
Da terra linda de Maria Chica
E de suas ruas tão particularmente familiares
(Sou parte delas)
Por seu ar sempre sonhador
Pelo progresso que aqui desejo ver
E por tudo que ainda hei de viver
É nesta terra que quero ficar
Penápolis, minha mais bela espectadora
Penápolis, terra de gente acolhedora
E de um céu azul que nunca vi igual.

Vanessa Zordan 

O incompreensível


Hoje farias anos
Acuso-te sim
Pelo não vivido

Pelo não sabido
Pelo não resgatado
Pelo tempo perdido
E acusando-te
Acuso-me em suma
Pois mesmo que não suma a ausência
Fica a tua lembrança.

Vanessa Zordan 

Durma bem


Durma bem meu bem
Não se perca pelo caminho
Lembre-se de mim

Lembre-se de que estou aqui
Esperando pelo seu carinho
E seus olhos derramados sobre minha face

Durma bem meu bem
Sonhe comigo e se possível
Acorde pensando em nós
E em coisas para sermos felizes
Por poucas horas, talvez
Mas que valham à pena
Porque seremos nós e só.

Durma bem e acorde em festa
Não deixe que as responsabilidades diárias
Afastem-nos dos nossos ideais
O ideal "ideal" é ser feliz
E isso se constrói com sonhos
Regados a trabalho e apreço
Mas o que não tem preço
É estar com você
Para esquecer de tudo
E habitar, momentaneamente,
Outro planeta, outro lugar qualquer.

Então se apresse e durma bem
Acorde além das expectativas
Trabalhe, conquiste o mundo
Junto com tudo o que lhe faça bem
E a noite venha me ver
Posso ser para você
Alguém que lhe queira bem.
Durma bem, meu bem...

Vanessa Zordan 

Tupperware


Elas servem para guardar varias coisas
Comidas de todos os tipos
E demais utensílios de cozinha


São de várias utilidades
E várias cores e tamanhos
Normalmente quando vão
Para casa de alguém com algum alimento
Não voltam mais
Incorporam-se ao novo lar
Sem cerimônias para o objeto
Nem paro o doador
E muito menos para o receptor

É engraçado ver os armários
Abarrotados de Tupperware
Uma para cada ocasião
Ou para o caso de precisão
Nunca se sabe, nunca é demais
E imaginar como as donas de casa
Um dia conseguiram sobreviver sem elas
Que objetos as substituíam?
Será que antes eram os guardanapos
Que não voltavam mais?
Por isso criou-se os de papel?
Ou as pessoas eram mais bem educadas?
Mais generosas eu sei que eram!

Depois da moda do R$1,99
Ficou barato e fácil comprar
Já custou caro
A original ainda é cara
E faz-se necessário
Ter pelo menos algumas peças
Mas as que abarrotam os armários são falsas.

E não paro de pensar
O por trás desse preço baixo
Quanto trabalho escravo há
Que nem podemos imaginar
Ou podemos, mas continuamos a comprar
É necessário.

Vamos colocar essas bonitinhas
Em seu devido lugar
Não fosse fácil consegui-las
Elas teriam mais valor
E menos amor.

Vanessa Zordan 

Pedido


Cupido, fique quieto
Não te chamei aqui, enxerido!
Não preciso de tuas flechas insensíveis

Preciso que treine a pontaria
E acerte um algo que valha a pena
Esqueças meu coração
Pois este não suporta mais os furos
Das setas que saem de sua aljava
E jorra sangue em chafariz
Mas tu, insensível,
Dança em torno dele
E regozija desejos
Que não realizarei
Tamanha a impossibilidade
Estás por um triz
Então planeje qual aprendiz
Fique quieto e risque a giz
Uma boa história de amor
Mas sem o apagador
Que ele não apaga a dor
Apaga a história toda...
E tu, não te cansas?

Vanessa Zordan 

Mesmo lugar


Até você aparecer
Eu estava no mesmo lugar
Quando você chegou

Tudo se embaraçou
A vista, o coração e as pernas
Ainda hoje desembaraço o novelo
Mas meu cesto de linhas
Permanece inerte.
Nada caminhou
Tão pouco retrocedeu.
Menos mal
Fiquei aqui mesmo.
O único diferencial
Foi conhecer o fogo
De que dizia o poeta
Que ardeu e nem se viu
Mas que é só aqui dentro
Então pergunto:
O que faz você na minha vida
Além de estar?

Vanessa Zordan 

Vida

Vivo a vida
E ela me vê
Vira do avesso

Vira veludo
Vira vala
Vira escudo
Vira degrau
E volta a viver
Vida vil
Viela escura
Vida clara
Vida velada
Avista a luz
Vida vela acesa

Vanessa Zordan 

Se possível


O apontador
Aponta a dor
Para que a borracha

A apague.
Sem mágoas,
Por favor.
E se possível for.

Vanessa Zordan 

Primavera

A primavera então chega
Disfarçada de inverno
Flor gelada


Vanessa Zordan 

Reticências


O que me mata são as reticências...
Prefiro as exclamações
Com seu gozo efêmero e triunfante.

Vírgulas não me conquistam
Mesmo que tragam em seu significado,
A possibilidade de outras interpretações
Renascem, reinventam-se
Mas terminam quase sempre
Em um ponto final.
Este por sua vez pode ser triste
Um triste quase alegre
De começo de novos períodos
Não sobrevive por muito tempo
Um dia chega ao fim
E paira definitivo
Como o fechar pesado de um livro.
Mas são as reticências
Com suas setas vermelhas
A apontar caminhos incertos
(Mais de um, desgraçadamente),
Que me deixam inerte
A decifrar mentiras velhas
E erros recorrentes.
E nessa corrente tudo tropeça
Nos três pontos redondos
Rodopia no ar e cai.
Caem certezas junto.
São ótimas para encerrar histórias de amor.
Bem vindas para os esperançosos
Para os céticos, martírio
Um mar íntimo
Que deseja a lua, e não a tem.
O que me mata são as reticências...

Vanessa Zordan 

Não é meu


Olho para você
E te imagino em casa
Bermuda e chinelo

Todo descolado
Em contraste com seu jeito sério

Olho para você
E te imagino na rua
Vida agitada
Ou programas habituais
Um cinema, um chopp
Livraria, exposição
Futebol ao cair da tarde
Meu lema, pedra da sorte
Pregada no pescoço
E no gosto por seu tipo

Olho para você
E imagino sua voz
Leve e calma
A arrepiar a pele quando penetra
Qualquer ouvido cristão
O meu então...
Pura febre!

E chego a adivinhar
O que sua boca dirá
Misto de palavras doces
E despropósitos intermitentes
Febre outra vez
De te imaginar por perto
De te encontrar de súbito
De te contemplar mudo
E ouvir o que seus olhos dizem

E o que virá?
Virá ou viria?
Ou não virá?
E eu veria?
Me serve?
Me servirá?
Ou não serviria?
Se é meu número
Meu abadá
Minha causa
Meu dilúvio
Transborda meu mar
Mas não é meu.

Ou será?

Vanessa Zordan 

Círculo


Eu nada sei
Falta-me muito a saber
Sobra-me muito a perguntar

Resta-me tudo a decifrar
Sabe-se muito em meu olhar

Perde-se tudo em meu falar
Recupera-se o dobro em meu agir
Joga-se muito em meu competir
Queima-se tudo em meu desistir
Tudo revive em meu porvir

Faz-se nada em meu desinteressar
E menos ainda em meu desesperar
Tudo se encaixa em meu compreender
Tudo renasce em meu aprender
Ápice do encanto em meu conhecer
Tudo relaxa em meu saber
E vira o jogo em meu desafiar
Um passo a mais para assimilar

Muito se tem para assinalar
O que preciso para recomeçar
Ajo tecnicamente em meus saberes
Penso que sei o suficiente
Quebro a cara novamente
E descubro resignada
Que eu nada sei
Falta-me muito a saber...

Vanessa Zordan 

Grito do corpo


O cansaço me tolhe os sentidos
As energias se me esvaem de súbito
Exausta pelos acontecimentos vividos

Meu corpo é um reclame mudo

Em silencio grita e pede socorro
E se encolhe em tensões musculares
Braços e pernas que já não obedecem
Ao não menos debilitado cérebro

E roda a roda e gira o dia
E meu coração acompanha o desespero
Da película trêmula que o envolve

Que antes corpo, hoje espectro pesado
Do mundo e seu legado a consumir
A vida em óbito, lentamente.

Vanessa Zordan 

Fim


Passarinho amuado
Trancado a cadeado
O coração rasgado

Sangra em tons febris
Viu a gaiola aberta
Hesitou
Acostumado à espera
Da vida reclusa
Acovardou-se
Ficou
Não sabia mais voar
E o inevitável aconteceu
Que é sentença
Para todos nós
Fechou-se a porta
Da existência miúda
E umidamente a chuva
Assistindo ao cortejo
Chorou.
Era o fim.

Vanessa Zordan 

Pode ser fácil


Ser feliz pode ser fácil
Nós é que esquecemos como é

Um café com um amigo
Uma prosa há muito esquecida
Pela correria do dia a dia
Um passeio com os pais
Um abraço na sobrinha
Pão fresquinho ou bengalinha
Doces de doceria
Sorvete que não acaba mais

Brigadeiro na panela
Suco de fruta do pé
Olhar a vida pela janela
Banho de cachoeira
Ir à praia e dar bandeira
De turista endoidecido
Tirando fotos de tudo ao redor

Caminhada ao ar livre
Para escapar da academia
Ler um livro, que alegria
Ouvir uma boa música

Olhar para as estrelas um segundo
Ver a lua e sentir a brisa suave
Passear com o cachorro
Ou dar tapinhas leves em seu quadril
Conversar com ele também vale
E com as plantas ou passarinhos, idem

Ver a chuva e não praguejá-la
Sentir o cheiro da terra molhada
Caminhar descalço na terra, agora seca
Dormir no sofá aquele sono irresistível

Deitar no chão com a criançada
E a noite ir pra balada
Amigos outra vez, e mais “causos”

Meditar, buscar equilíbrio, falar com Deus
Pensar antes de falar o que der na telha
Elogiar as pessoas com sinceridade
E criticar quando necessário
Mas para ajudar

Dar o braço ou ouvido a um amigo
Ser gentil com um desconhecido
Ajudar quem quer que seja
Sem se importar que ninguém veja
Para saber que o dia valeu a pena

Tomar um vinho branco
Jantar com quem te faz bem
Viajar e conhecer o novo (geograficamente)
Viajar e conhecer o novo (dentro da gente)

Desenhar, escrever ou navegar (mar/net)
Fazer um novo curso
Aprender um novo recurso
Para no trabalho utilizar

Permitir-se gostar de alguém
E que alguém goste de você
E invada seu mundo
Com coloridos particulares

E além disso acreditar
Que a vida pode ser bela
E que é só olhar para ela
Com olhos de regador
E ela florescerá.

Ser feliz pode ser fácil
Nós é que esquecemos como é.

Vanessa Zordan 

Esperança

Ato ou exercício de esperar
Mas para esperar algo

Outro algo antes tem que acontecer
Senão não se espera
Ilude-se.

Sem saber do verde da grama
Não se sabe da sua devida maciez
E sem saber se esperar
É certo ou sonho
O verde da esperança
Vai perdendo a cor
E se transforma em cinza

Cinza também é algo
Que necessita espera
Pois só se faz belo
Em dias de chuva

Então que chova
Para que o verde volte a florescer.

Vanessa Zordan 

Borboleta

Borboleta voou
Ao sabor da brisa que a soprou
Cai a tarde


Vanessa Zordan 

Um dia você aprende


Quero te ensinar
Mas você não aprende
A ser um bom rapaz

Desses que é amante na cama
E cúmplice na vida
Quero te ensinar
Mas você não se remenda
E não percebe que a emenda
Pode sair melhor que o soneto
Ah, quero te ensinar
Mas você não aprende
Que lugar de mulher é na cama sim,
Mas também no carro ao seu lado,
Na sala, na copa, nas janelas e olhos abertos
E aos cantos não aos prantos
Mas fazendo malabarismos
Você não aprende
Que lugar de mulher é na rua
E no sorvete compartilhado
No cinema sessão extraordinária
Nos contos fantásticos de Andersen
E nas discussões sobre Sartre
Mas você não aprende
Não aprende as delícias
Das coisas bem vindas
De um simples olhar
E das cores das meninas (dos olhos)
Que, dilatadas, colorem o dia
E fazem querer que ele acabe depressa
Só para a cabeça em seu peito deitar
E te deixar sentir meu cheiro
Em conversas intermináveis
Mas você não aprende
Não aprende os encantos
Da vida sem prantos
Ou do ciúme endoidecido
Que te rasga os sentidos
E se transforma em gemido
Na hora de amar.
Aprender, você não aprende
Não aprende a chorar
Pelas coisas da vida
E para as abertas feridas
Ter com quem contar.
Não aprende
A se perder em sorrisos
De um jeito querido
E se achar envolvido
Nas histórias que eu contar
Você não aprende, você nunca saberá.
Mas como nunca é tempo demais
Deixe aberto o coração
Para o acaso de algum dia
Alguém entrar

Um dia você aprende.

Vanessa Zordan 

Teatro


Por que tem que doer assim?
Amor mal resolvido
Fere a alma e o sentido

Deixa os seres em frangalhos
Corta dedos e galhos
que entrelaçam pés e braços,
Peitos e corações
Aflitos por não saberem
O que virá nem a que se prestam
Noites mal dormidas
Que não curam feridas
Em busca do que falta
O que sobra ou o que mata
Nessa sórdida relação
Assassinada pelo gozo
De ressuscitar logo em seguida
Pra doer tudo outra vez
Punhal cravado no peito
Espetáculo nada convencional
Onde o personagem principal
Sou sempre eu, a desejar seu afeto
Fim de ato.

Vanessa Zordan 

Isso ou nada



Quer voltar, volte
Fique a vontade
Mas se for só de passagem
Como chuva de verão
Já adianto que não perca seu tempo
Deixei a erupção para ser só vulcão
Tempestade, pra ser só chuva
Maremoto, pra ser só mar
Correnteza, pra ser só rio
Quero a simplicidade e o sossego
Das coisas bem vindas
E a beleza dos sentimentos
Que aquecem o coração
Não que o queimam
Se não se enquadra
Ponha-se pra fora do meu sonho.

Vanessa Zordan 

Pensa


Pensa de menos
E vive demais
Por amor
Por favor
Pelo amor de Deus.


Vanessa Zordan

A vida passa


A vida passa, e quando você menos espera
Já é fim de semana, já é fim de mês e o ano acabou.
A vida passa quando passa cada estação do ano

Cada novo aniversário, a cada novo feriado a vida passa.

A vida passa nas quatro fases da lua
E de quantas delas você se dá conta?
Quantas vezes olhou para céu neste ano?
Quantas vezes viu as estrelas,
A movimentação dos gatos quizilentos nos muros
A briga dos cachorros aventureiros
As rusgas da criança com o irmão?

Onde você está que não vê essas coisas
Onde está que não sente a brisa da manhã
E não descobre a que rumo te leva
Um caminho novo e desconhecido.
Onde você está, onde estamos todos nós?

A cada ciclo eleitoral onde, negligentes,
Vemos novamente absurdos acontecerem
E nos anulamos conformados à infeliz sorte.
A falta de sorte é o desperdício de saber que nada fizemos

Não estivemos com nossos amigos
Não encontramos um grande amor
Não brincamos com nossos filhos
Não conhecemos os filhos dos nossos melhores amigos
Não aprofundamos laços com nossos tios
Nossos avós já nem existem mais
Nossos vizinhos, quantos deles conhecemos?
A quantos ajudamos? Quantos morreram e nem nos demos conta?

A Bolsa de Valores, quantas vezes caiu?
E as Notícias da Hora trouxeram a crise econômica mundial
Com nossa Índia, nossa África se perpetuando aqui mesmo,
Debaixo dos nossos narizes
E os jornais da televisão espremendo o sangue
Das barbáries que o ser humano faz com ele mesmo
Cada vez mais banalizadas e normais.
Onde estávamos? Onde estamos agora?
E para onde vamos, se não sabemos a direção?
Não sabemos e não queremos saber
Estamos ocupados demais em ganhar dinheiro
Em sobreviver, em nos salvar desse martírio todo.
E só nos damos conta quando a vida passa.

Vanessa Zordan 

Era pouco


Olhando aqui dentro descobri
Tenho pressa, tenho urgência
Hoje abri a portinhola da gaiola

Que é pra ver se vou...
Ou se voo.

Mas então veio a surpresa
Que constatei e arrefeci
Vendo a minha vida percebi
Que já voei há muito tempo
Equivoquei-me, foi engano
Não era tanto amor assim
Despreguei-me dele qual mariposa
Que se desprega do seu casulo
E deixa de ser lagarta.
Não produz a seda
Mas escapa da morte que bate à porta
E agora nem sei, e pouco importa
Em que vento se perdeu de mim
O que eu pensava que era tanto
E era tão pouco.

Vanessa Zordan 

Descoberta


A menina viu pela primeira vez
Uma bolinha de sabão
Desmanchou-se toda em algazarra e riso

Olhos brilharam e mãos buscaram o impossível
Mas, como era de se esperar,
Cumprindo a lei da sua natureza efêmera
A bolinha estourou
E a menina então chorou
Descobriu a duras penas,
E que pena!
Tudo o que é bom acaba um dia

Vanessa Zordan 

Angelina


Eu aqui com o passado nas mãos
Em forma de documento
Fico a imaginar como era

Viver naquele tempo
Idos de 1923
Na certidão de casamento dos meus avós
Data de nascimento não consta
E o vazio em meu coração
É cem vezes maior
Que o vazio das linhas por preencher
Burocráticas e irritantemente formais
Rotulam as pessoas
E o próprio tempo
Antigamente...
Cartas com selos multicoloridos
Eram o único meio de comunicação
E como custavam a chegar!

A carta de um escriba desconhecido
Deixou claro o analfabetismo do meu tio avô:
“Angelina, mande notícias,
Seus irmãos querem saber de você.
Adolpho manda o retrato de seus filhos gêmeos
José e Antônio. Enderece
Aos cuidados do senhor Gino Contart
Caixa Postal 39 – Ituverava”
Foi a quem recorreu Adolpho Lazari
Para escrever à querida irmã Angelina
O motivo? Saudades da pequenina
Que ele jogara para o alto
Logo ao chegar da Itália.
Ela cresceu e casou-se
E não sem chorar
Deixou sua casta para trás
Precisava acompanhar a nova família
O destino foi Penápolis
E aos parentes nunca mais os viu
O que sofreu ou sentiu?
Não sei...só sei que carregava um amargo doído
Uma tristeza aborrecida
De queixo na mão e olhos verdes distantes
Magoados por só saber dos parentes
Por cartas e míseras fotos
Tão escassas e incapazes de
Adivinhar novas rugas
E tocar cabelos e faces e mãos
Como nos afagos da infância de risadas contentes
Os olhos agora eram uma película fotográfica
E o tempo um cruel algoz
Sobreviveu...
Contentou-se com cartas
Que não traziam sequer a caligrafia do familiar
Mas tinham o coração rasgado como o dela.
Tempos cruéis.
E eu aqui querendo uma foto
Que congelasse esse momento
Só para que eu pudesse voltar no tempo
E dizer aos adultos negligentes
De algumas poucas décadas atrás
Que era simples, óbvio e fácil
Desentristecer Angelina
Bastava uma foto, uma única foto
Mas de verdade.

Vanessa Zordan 

Sempre pensei


Sempre pensei que o doce da vida
Fosse indício de felicidade
Mas um dia me lembrei

Que diabetes mata
Que silêncio dói
Que falta de amor maltrata
Que tristeza corrói
E que a dúvida, longe de ser doce
Traz o fel da morte súbita.

Vanessa Zordan 

Poema da noite passada


No canto da sala ocorre um milagre
Que nem Arquimedes e Newton duvidam
É física pura, quase lei

Dois corpos ocupando deliciosamente
O mesmo lugar no espaço e no tempo
Um espaço nos meus dias
Não é lá pra canto comum
Nem coisa de encanto qualquer
Mas, de canto a canto
Invade a casa toda
Faz tremer o tempo
E embala a impublicável
Fusão de dois corpos
Que se jogam aos cantos e paredes
E escalam a arquitetura anatômica
Em encaixes perfeitos.
O canto da sala é matemático
É encontro de dois que se transformam em um.

Vanessa Zordan 

Êxito


O coração à mostra era o meu
Em sua estréia suicida
Teve êxito.

Não sobraram nem migalhas
Para contar história
Estilhaços voaram
Pela força da explosão da bomba.
A guerra acabou
E o que faço eu agora
Para me acostumar com a calmaria?
Bebo sonhos.

Vanessa Zordan 

Constatação


Página virada
É asa de pássaro
Em voo novo

E traz consigo o espanto
Do olhar virgem
Sobre o que virá.
Novos céus.

Vanessa Zordan 

Ainda vive


Entre o sim e o não existe um quase
E o quase se liquefaz no tempo
Como suor nos corpos de quem amou.

Quase é tudo aquilo que podia ter sido, e não foi.
Que podia ter estado, e não esteve.
Que podia ser visto, e foi ocultado
Sentido, e não foi tocado,
Sabido, e não foi ofertado.
Tudo aquilo para que o olfato não se refinou,
E o paladar não se aguçou.
O ardido que não queimou,
O precedido que não se antecipou,
A espera que maltratou,
A chegada que não findou,
O sentimento que se desperdiçou.
Dentro de um quase
Veja que espanto
Vive o não vivido que se sonhou.

Vanessa Zordan 

Diga

Então me diga o que ficou. Quantas palavras bonitas você me disse, mas não sustentou com ações. Quantas músicas, quantos poemas? Quanta insensatez... Diga-me se há sentido, diga-me o que se salva? Não dá! Não dá para me consumir e me queimar até virar graveto nesse fogo que não faz sentido, e secar até os ossos, até o mais profundo desalento produzido dia-a-dia, hora a hora, minuto a minuto, e que deságua na mais completa nulidade, no mais vil destempero, na mais angustiante ignorância, causada pela dúvida e a falta de crença em mim, em você, no mundo, no noticiário da TV e no anúncio do que se deve ter ou fazer para ser de fato e definitivamente feliz. Não! Preciso de mim tenra, e não seca. Inteira, e não aos cacos. Então me diga o que ficou.

                                                                                                                                        Vanessa Zordan