sábado, 7 de junho de 2014

Resíduo



À Carla Tocchet (formadora do programa Ler e Escrever)

Não bastasse a audácia de se despedir, ela ainda usa o “meu” poeta preferido, junto com um dos seus (dele) poemas mais lindos e “meu” preferido como sendo ambos “seus” preferidos. Ela deixou com isso um buraco aqui dentro. Na verdade, ela deixou um buraco aqui dentro com a audácia de se despedir. Audácia é pouco, é eufemismo.  Mesmo que eu não estivesse mais...mesmo que eu já tivesse saído de cena, deixado o barco, um dos meus pés ainda estava na proa. Minha eterna proa, meu eterno barco do qual ela era uma das comandantes. Um dos meus grandes modelos.  Estive nesse barco por 6 anos, e o mar que naveguei com ela foi imensurável de se calcular...milhas e milhas de tempestades e pores de sol. Ajudou-me a ficar firme quando a única saída que me parecia mais plausível era desistir. Então eu recebia a dose mensal dos ensinamentos dela, desse feitiço que ela tem e que traz à tona a percepção de como proceder, de que é possível vencer os obstáculos na educação e de que não é tão penoso assim. Ou de que sim, é penoso, porém ela me abria as portas de um mundo novo, cheio de possibilidades para quem acredita, tem vontade e amor pelo que faz.
Por vezes ganhei seu jeito de fazer as coisas, suas expressões, “bacanisses”, neologismos que impregnaram – “De onde essa Carla tira essas coisas?” – e fizeram parte mim...na verdade, fazem parte de mim. Nunca deixarão de fazer parte de mim, da profissional que estou me tornando a cada dia, e de todos que tiveram o privilégio de viajar nesse barco.
Mas ela teve a audácia de se despedir... sabemos que não é um “adeus”, e sim um “até logo”. Sabemos também que o que ficou dela em cada um de nós será sempre ampliado, pois um formador de verdade é aquele que deixa seus pupilos em condição para caminhar sozinhos e de forma crítica. Ficaremos aqui, sem enxergá-la com os olhos, mas tendo a certeza de que seu brilho continua em nós, através dos conhecimentos que construímos juntas, e que fazemos questão de espalhar feito vento por aí.
As pessoas se eternizam pela intensidade com que se doam. O resíduo dela em nós já é eterno.