quinta-feira, 15 de agosto de 2013

III- Da precaução

Recolha as farpas
Mas por precaução
Abra as aspas

Vanessa Zordan

Ainda assim, revisei



Hoje eu quero chorar. É uma certa impotência que me faz ficar assim, com vontade de verter todos os sentimentos e toda minha energia vital em lágrimas. Poemas esqueci-me de escrever, não tenho ânimo. É algo mais simples, que não necessita de construções elaboradas nem cuidados com sobrar ou faltar algo. Hoje eu não quero sintaxe, quero só a palavra certa, algo que me tire essa irritação, que me faça ser melhor do que sou sem depender de ações dos outros, sem as palavras de sempre em meu texto, que transparecem minha profissão. Sem querer revisar, com a preocupação de ser visto por outras pessoas. O barulho externo não me permite ler no momento, então quero escrever...escrever...escrever...pra ver se nessas palavras encontro respostas, mesmo que em cacofonia, mesmo que desagradáveis ao ouvido e/ou a alma. Esta está machucada, buscando sua identidade. Não se vitimiza, há muito já saiu desse lugar. Mas busca entender porquês. Porquês pesam, podem significar tudo, e ao mesmo tempo valer para nada. Hoje excepcionalmente tenho vontade de chorar. Sei e tenho consciência de que quem pode promover mudanças e a nossa própria felicidade somos única e exclusivamente nós mesmos. Somos os únicos responsáveis por isso, e talvez seja exatamente essa consciência que pese. Pesa porque não se desenrolam os nós, como um passe de mágica. Desenrolar nós é como arrancar pele a sangue frio, sem anestesia. É doloroso! E quem é que tem coragem de mexer nesse vespeiro? Quem é honesto em dizer que tem ou teve desde sempre essa coragem? Quem é capaz de, a essa altura dos acontecimentos, ter essa coragem em um dia de sol, numa manhã qualquer, acordar cedo e, como que por um encanto, decidir-se a mexer no vespeiro, ir lá e fazê-lo?? Quem?? Qual é a forma ou motivos pelos quais tomamos a decisão de empurrar nossa mão goela abaixo e remexer lá dentro, bem fundo...desafiar fantasmas, e promover enfrentamentos para ouvir de si e dizer a si mesmo tudo o que quer, para libertar-se desse casulo e voar? Que vôo é esse para o qual é tão difícil decolar? Por que a angústia fica tanto a martelar? E mais uma vez a resposta vem clara e definitiva: É você mesmo,  meu caro (a). Somos sempre nós mesmos os responsáveis: pela culpa, pelo erro, pela mudança (sobretudo por ela), pelos medos...somos nós, sempre nós que desatamos esses nós. E que bom...assim é ou deveria ser mais fácil. E a gente vai vivendo e esquecendo de varrer esses fantasmas, de matar um por dia. Somos humanos e acho que deve ser normal, não é à toa que estamos aqui novamente. Mas nem era sobre isso que eu queria escrever, era sobre o que eu não consigo, apesar de toda a minha habilidade, expressar com palavras, pois é algo que vive aqui dentro, pregado, indissolúvel, invisível. Posso estar exatamente às portas do vespeiro. Preciso aprender a enfiar a mão.  

Vanessa Zordan


A roupa



A roupa ainda tem seu cheiro
Não quero lavar
A boca ainda sente seu beijo
Não quero esquecer

A memória ainda tem seu sorriso
Não quero apagar
O corpo ainda sente seu gosto
Não quero arrancar

Os dias ainda têm sua presença
Não quero que suma
E a noite ainda chora sua ausência
Sem receita nem cura

O domingo ainda vive esse tédio
Não há você aqui
E a semana se arrasta sem remédio
Não há como fugir

Os meses resumem-se a lembrar
Não vejo seu rosto de perto      
O bimestre sufoca em não acabar
O mundo em meus olhos agora é deserto

As estações insistem em reviver
Não há mais seu ser em meu ser
O ano insiste em findar
Custando a me convencer

O inverno de novo acinzenta
E eu continuo aqui
Nem a primavera entre flores sustenta
O que deixou de existir.

Já que a roupa...ainda tem seu cheiro.

Vanessa Zordan