terça-feira, 13 de janeiro de 2009

ESTA É PRÁ VOCÊ

Tudo começou assim, mais uma novidade entre as outras que eu vivia. A profissão finalmente estava sendo posta em prática, depois das comemorações da formatura. Novidades, medos e uma grande insegurança. Gagueira, vergonha, falta de ar. Incômodos constantes de “não sei quem sou” tomavam conta de mim. Um novo mundo batia à minha porta, e tinha o nome e a cara de uma escola. Na sala dos professores lotada, mais incômodos. Fora do ninho e da órbita, me sentia qualquer coisa, menos professora.
Nesta confusão de sentimentos, certo dia eu notei a meu lado, depois de longos minutos, como era de minha natureza (“Fantástico mundo de Boby”), uma moça. A conversa iniciou-se, pouca, seca. Depois de um tempo, descobrimos uma coisa em comum. Morávamos perto. E o combinado foi uma carona no primeiro horário do dia seguinte, dada por mim a ela, uma vez que meu pai me levaria para a escola. A troca de telefones selou o combinado, que não ficou bem certo: “isso se meu sogro não for me levar”. Era casada, o que a princípio impossibilitava uma possível amizade, ou o que eu conhecia por amizade.
À noite, a espera do telefonema. “Será que ela vai ligar?”. E logo depois do jornal, o toque. Era ela, íntima, sem cerimônia: “Você me pega em casa, então? Amanhã antes das 7:00 ?”. “Ok”, respondi. Menina espevitada, tão solene na sala dos professores, e tão outra ao telefone. Engraçado, mas gostei dela. Precisava de alguém para conversar em território que eu ainda não conhecia direito. E para a minha surpresa, em pouco tempo estava freqüentando a casa dela, conhecendo sua história. A afinidade foi crescendo em algo que transcendia a profissão, as diferenças, o vocabulário e a maneira de se portar. Não se tratava somente dos mesmos gostos, tratava-se também de troca de carinho e de experiências, mais as delas do que as minhas. Típico da grandeza de quem sabe ensinar, como ela sabe. E aos poucos ela foi me resgatando do abismo e me mostrando o caminho das pedras, com tudo que eu ia encontrar, dos espinhos às flores, devidamente explicados e prontos para mim. Prevendo coisas, adivinhando sentimentos, trazendo apoio e consolo. Em alguns momentos, ela foi deixando as coisas por minha conta, dizendo que acreditava em mim e me incentivando a caminhar sozinha. Me deixou grandes heranças, como falar palavrão e não levar desaforo para casa. Me fez sentir uma vontade imensa de ter letra bonita e raiva de mim mesma por ter feito Letras e não História. Depois somamos as minhas Letras com a História (e estórias) dela, e o resultado foi um misto de sentimentos que partiram de descobertas em conjunto a comprar coisas iguais à 250km uma da outra. Intenso, não?Menina do cabelo dourado, que com sua generosidade me ensinou a ser generosa também, e com quem aprendi a ser o que sou hoje. Pessoa a quem devo tanto, e com quem fiz descobertas importantes em horários atípicos, como sábado a tarde tomando café. Menina com quem minhas afinidades foram além das caixas de sucrilhos, da manteiga e não margarina e de certa marca de achocolatado em pó, e que passaram também de conversas intermináveis sobre Drummond, Quintana, Clarice, Che Guevara e Fidel. Chegaram a um encontro de almas. É o que eu chamo de amizade.
***DEDICADO A KELLY CRISTINA MONTE

Vanessa Zordan 

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