domingo, 13 de fevereiro de 2011

Inconstante


Acordei querendo saber
Como funciona o amor.
Será que com todo mundo é assim?
Um dia eu quero,
No outro quero mais ainda,
Mas no próximo quero menos,
E na semana seguinte quero quase nada
Um issozinho assim.
E depois volto a querer,
Para mais tarde a vontade escapar de mim.
Me disseram que o amor
Mora mesmo no coração.
Mas não consigo entender
Porque ele não sai da razão.
Raciocina demais, mede esforços,
Poupa tempo, pesa tudo na balança.
Talvez a balança é que seja o coração.
Mas o meu é oco
Se faz de desgosto
E chega até o osso
Transcende a alma.
Dor física, falar que cala.
Tento rechear este oco de estrelas,
Que é para ver se dou jeito nesse martírio.
Mas elas são teimosas!
Quando capturo algumas por um lado,
As outras deslizam pelo outro, escapam do coração.
Não querem ficar presas, nasceram para brilhar.
E de lá de cima riem de mim.
Algumas, as mais fraquinhas, até se resignam
E ficam ali estáticas.
Pedem socorro
Precisam mais de mim
Que eu delas.
E com essas poucas estrelas
Insendeio meu coração de luz.
Mas a questão da inconstância
Continua intrincada...
Afinal, como funciona o amor?

Vanessa Zordan 

Definição


É da língua portuguesa
O poder de reunir
Em uma só palavra
O sentimento mais paradoxal do mundo.
O mais triste, o mais alegre
O mais bonito, o mais envergonhado.
O mais sutil, o mais doloroso,
Ou dolorido, não sei qual dói mais.
E o mais nobre também.
Aquele que move o mundo,
Que incentiva as mais longas viagens,
E horas infindáveis ao telefone
Ou na frente de um computador.
Vocês acham que estou falando do amor,
Inocentes que são.
Mas falo de algo maior
Capaz de reunir vários sentimentos e emoções dentro dele.
Falo da saudade
inalterável,
Que tem o cheiro e a dor de cada um.
Nomezinho doce,
Mas de um doce querendo ficar amargo.
Não tivesse nome,
será que doeria menos?

Vanessa Zordan 

Reflexões de viagem


O ônibus sai e o motorista se esquece
de apagar a luz.
Começo a olhar para a cidade de Presidente Prudente e imaginar:
E se eu tivesse nascido aqui?
É, se eu tivesse nascido aqui,
talvez teria o mesmo pai, a mesma mãe, o mesmo irmão e os mesmos amigos.
Poderia ser que eles fossem outras pessoas, mas os mesmos!
Haveria uma escola onde eu teria convivido com uma Léia, uma Rosi e uma Andresa.
Meu primeiro amor seria um João Henrique.
Também teria como mestres, uma D. Judite Vizoni, uma D. Eliana,
um Robert, um Nevil, uma D. Norma e um Geraldo Malta.
Mais tarde teria novos amigos na minha outra faculdade, uma outra
Fernanda, um outro Aldo, outro Dú e outra Sid.
Aprenderia a arte de ensinar com uma D. Adélia, uma D. Rosário, Um João Luis,
Um Robert novamente, Um Ortiz e um José Fullaneti de Nadai, doutor pela Usp.
Também haveria uma Ana, que poderia perfeitamente hoje estudar
em Londrina, e outra Cris, que trabalharia em São Paulo sem
problemas.
Talvez a Carime e a Luiza (não menos amada!) fossem outras, e a história também.
Existiria outro Bruno, que também moraria ali perto, em outra cidade pequena da redondeza, como “Marti”, Vênus ou Júpiter, não sei ao certo. E com ele haveria outras pessoas dali, iguais as que conheço aqui...
Na seqüência, mais gente em quem eu me ligaria: um Tonhão,
um Torsiano, um Marcelo, um Belletti, um Rafael Freitas e um Fábio,
e junto com eles as mesmas histórias...
A "Zordan bonés" também seria a mesma, talvez com outro nome, e teríamos uma Fátima, uma Cida e um Welington.
Também haveria alguma praça onde faríamos um lual por domingo, com um Élson e um Maumau tocando violão,
um Marcão, um Tarzan e uma “Jane”, junto com mais um monte de gente cantando os nossos sonhos e esperanças para saudar mais uma semana (terrível!) de trabalho.
Haveria outra escola onde eu começaria a lecionar, e nela os mesmos medos e conflitos da profissão.
A Kelly poderia ser a Kelly mesmo, uma vez que ela tivesse optado por ficar em Prudente com o marido ao invés de vir para Penápolis.
E com isto eu trabalharia mais perto de casa, se caso tivesse nascido em Presidente Prudente.
Porém, em um momento ou outro, eu escutaria, da boca de um Júlio, uma Élen, ou de tantos outros que estudam ou estudaram em Prudente, o nome da minha cidade natal: “De onde você é?”
E alguém responderia: “de Penápolis.”
Eu diria: “Ah, você é da terra da Sabrina Sato?”
Talvez até soubesse que lá nasceram a Pepita Rodriguez, e os parentes da Júlia Gam.
E perguntaria se eles nunca haviam cruzado com o Dado Dolabela na rua.
Esclarecidas as futilidades, eles me diriam que a cidade é simpática,
que tem a melhor água do Brasil e um dos dois únicos e mais belos Santuários de São Francisco de Assis da América Latina, além de três museus perfeitos.
Diriam que tem uma avenida com alguns barzinhos onde
todos se encontram e de maneira mais calorosa que nas
cidades maiores para conversar e escutar música.
Duas boates, clubes, lugares para fazer caminhada,
uma bela praça com uma fonte luminosa, antigo
“point” da “galera” antes da Avenida, como os pais deles contavam.
Saberia da existência de Penápolis como sei da existência de tantas outras cidades...
Porém, senti um nó na garganta ao perceber que viveria as mesmas histórias, mas com outras pessoas...
E a minha cidade querida passaria a ser outra, sem eu ter sequer a opção de mudança.
Mas não quero mudar, não vou mudar.
Sou tudo o que vivi e a cidade onde nasci.
Não vou deixar para trás a minha vida.
Voltar, regressar...belos verbos!
O motorista se lembra de apagar a luz.
Melhor dormir.

Vanessa Zordan 

Ps: Tão estranho distanciar-se de um escrito nosso por meses, anos até, e retornar a ele e descobrir tantas coisas! Este poema é meio piegas, mas é legítimo...sentimento que eu tinha na época. E hoje eu teria que acrescentar tantos outros nomes a essa lista, de gente querida que Deus me deu a alegria de conhecer, mas isso é uma outra história...vale o exercício, pois escrever faz com que conheçamos a nós mesmos!

domingo, 16 de janeiro de 2011

Só de Sacanagem - Elisa Lucinda

Meu coração está aos pulos!

Quantas vezes minha esperança será posta à prova?

Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?

Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filhinha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.

Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau."

Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Eterno (Carlos Drummond de Andrade)

E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.

Eterno! Eterno!
O Padre Eterno,
a vida eterna,
o fogo eterno.

(Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.)

— O que é eterno, Yayá Lindinha?
— Ingrato! é o amor que te tenho.

Eternalidade eternite eternaltivamente
eternuávamos
eternissíssimo

A cada instante se criam novas categorias do eterno.

Eterna é a flor que se fana
se soube florir
é o menino recém-nascido
antes que lhe dêem nome e lhe comuniquem o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata
é minha mãe em mim que a estou pensando
de tanto que a perdi de não pensá-la
é o que se pensa em nós se estamos loucos
é tudo que passou, porque passou
é tudo que não passa, pois não houve
eternas as palavras, eternos os pensamentos; e passageiras as obras.
Eterno, mas até quando? é esse marulho em nós de um mar profundo.
Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos afundamos.
É tentação a vertigem; e também a pirueta dos ébrios.
Eternos! Eternos, miseravelmente.
O relógio no pulso é nosso confidente.

Mas eu não quero ser senão eterno.
Que os séculos apodreçam e não reste mais do que uma essênciaou nem isso.
E que eu desapareça mas fique este chão varrido onde pousou uma sombra
e que não fique o chão nem fique a sombra
mas que a precisão urgente de ser eterno bóie como uma esponja no caos
e entre oceanos de nada
gere um ritmo.

Casal de andarilhos


Cheguei hoje cedo da rua e tive uma surpresa impactante. No calçada, um casal de andarilhos venezuelanos com duas crianças pequenas, o moço estava voltando da bicicletaria aqui do lado. Extremamente simpáticos e muito educados, me pediram licença para usar a calçada por algumas horas. Eu disse que sim, sem problemas. A moça era muito bonita, o moço também, ambos de traços bem feitos, ele de “canecalon” no cabelo. Roupas surradas, bermuda e camiseta. A criança menor se chama Tsunami. A mãe disse que ele veio como uma onda. Engraçado é que ela não disse esse nome como algo pejorativo, mas grandioso. Ela tinha conhecimento de que Tsunami é uma onda gigastesca, mas provavelmente nem tomou conhecimento da tragédia que assolou a Indonésia. Já o maior se chama “Ignaro”, me parece, que seria algo relacionado a sonho, não sei se é assim que se escreve. Nomes fortes e significativos, escolhidos a dedo, e com explicação para eles. Pararam para arrumar as bicicletas e com isso desmontaram sua casa, seus pertences (roupas, cobertas, uns poucos utensílios, um radinho, entre outras coisas) de cima dela. O destino agora é a Bolívia. Minha mãe conversou com eles um pouco, e eles disseram que haviam ganhado arroz cru. Queriam trocar com ela por arroz cozido. Claro que não trocamos, fizemos uma marmita para o almoço e demos outras coisas, bolachas para as crianças, bananas e uma lata de leite em pó. Ficaram muito agradecidos, e desejaram coisas boas, com muita sabedoria. O menorzinho tinha acabado de acordar, e estava manhosinho. Piscava e fazia charme para nós. O maior, brincando com a roda da bicicleta recém arrumada, chamava pelo menor, parecendo ser bastante ativo. Crianças lindas, apesar de mal arrumadas, descabeladas. E os pais, orgulhosos, nos falavam sobre os pequenos. Fiquei impressionada! Como pode alguém viver assim, e ser feliz. Não vi as dificuldades nos rostos deles...vi algo diferente. Incrível! Fiquei com um misto de dó e inveja da segurança e cumplicidade dos dois, e do carinho que demonstram uns com os outros! Tive vontade de conversar com eles a tarde toda, pois escutei as conversas e os risos das crianças...felizes. A mãe brincando com eles, o pai cantando para eles, e as gargalhadas ecoando. Quantos filhos de nossa sociedade convencional não gostariam hoje que os pais brincassem e cantassem para eles. E, por outro lado, quantas coisas não são ceifadas dos filhos dos andarilhos, como escola, por exemplo? Mas também, qual é o limite que nos fará perceber quem pode ser mais feliz, pois calculem o que essas crianças não aprendem mundo afora? De fato, é estranho imaginar que existam outras formas de vida diferentes da nossa, ainda mais uma assim, parecendo ser por opção, e não exclusivamente por necessidade. É de se parar para pensar no que fazemos todos os dias com a nossa vida! E é por essas e por outras que creio que felicidade é o que de mais simples existe no mundo. E nós, pobres capitalistas, nos afastamos cada vez mais dela, achando que acumular dinheiro, estresse e rugas, e em alguns casos cânceres, é o único caminho para chegar até ela. Essa tal felicidade é mesmo muito misteriosa!

Vanessa Zordan