segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

SERÁ QUE FOI SONHO?

Estava lá, sozinho no quarto que dividia com o irmão, sem vontade de sair. Na janela, cortinas azuis; nas camas, colchas com desenhos animados que caracterizavam um quarto infantil, em contraste com as fotos das bandas de rock preferidas. Mundo adulto e desejado. E estava ele, no alto dos seus treze anos, sentado na cama e olhando para os sapatos, que permaneciam sem uso, ao lado de outras coisas espalhadas pelo chão, e pensando. Não conseguia acreditar que havia vivido a experiência da noite anterior. Será que foi sonho? Como tirar a dúvida, se não havia contado para ninguém, e não foi visto praticando a ação? Só estavam ele e ela. Clara era o nome que tilintava em sua cabeça. Será que havia sonhado? Imóvel em sua postura e com o pensamento a milhão, vez por outra pensava em levantar, sem conseguir.
Mas quando foi mesmo que se viu apaixonado? Será que foi na primeira vez que a viu, pois é certo que ela lhe chamou muito a atenção. Porém, era algo inatingível. É claro que aquela criatura perfeita não se interessaria por um sujeito como ele. Assim...assim...tão sem graça, tão indeciso entre a infância e a fase adulta. Mas o que lembrava não era bem isso. Tudo mudou de cara e de cor na noite anterior. A não ser que tivesse sido mesmo um sonho. Mas não era, ele viu, ouviu e sentiu. Difícil acreditar, mas ela também o queria, ou pelo menos o quis. Sim, ela também o desejou. Mas como foi mesmo? Uma sucessão de imagens vieram à tona. A conversa, assim, meio que sem compromisso, quase querendo dizer “nem te ligo” um para o outro. Depois, a descoberta das afinidades. O papo foi esquentando, os sentidos se aflorando, o olfato detectou que aquela química poderia “dar samba”. Mas quando foi mesmo que seu coração disparou de verdade? Quando sentiu desejo sem sequer tocá-la ou na hora do beijo, propriamente dito? Ou melhor, beijos. Foram muitos e dos mais variados. Talvez Clara fosse uma doce menina e gostasse de trocar carinhos. Ele não sabia direito. Achou que aquele jogo fosse uma forma de sedução, uma vez que ela, menina, estava se tornando mulher, e trazia consigo todas as manhas para deixar os meninos loucos. Afinal, essa é a função das mulheres, ou, pelo menos, o que elas mais gostam de fazer. Os vários beijinhos tinham nomes: selinho, de bochecha, de nariz, que era o esquimó, entre outros. Segundo ela, os conhecia desde pequenininha assim, ó. Mas o que mais o impressionou foi o de borboleta, que consistia em esfregar os cílios dos olhos de um nos do outro. Doce arma, pois assim ele pôde ver, bem de pertinho, a menina dos olhos de Clara, e olhar bem no fundo daquele pote de mel. Mel era a cor dos olhos dela.
Depois de tanta informação e tantas novidades, surge o beijo que não era mais o selinho. Devia ser o beijo “beijo” mesmo, era mais demorado, mais molhado, tinha um gosto estranho e que depois foi ficando indescritivelmente bom. Sentia o gosto dela, e o coração dos dois batendo juntinho. Lembrou-se de que não sabia beijar, e precisava disfarçar. Mas será que ela sabia? De certo sim, sabia tanta coisa. Era uma das melhores alunas da sala.
O fato é que quando o beijo acabou, ela saiu correndo, e ele ficou sem saber se de vergonha ou por não querer mais. Foi tão rápido que ele nem pôde ver o rosto dela, e nem olhar de novo no fundo daqueles olhos. O que se passava, será que ela gostou tanto dele assim, ou será que só estava brincando com ele? Por isso, até ali ele não conseguia ter certeza se aquilo acontecera de verdade, ou se ele tinha só sonhado.
Agora, absorto em seus pensamentos e dúvidas, não conseguia se mover, nem encarar a realidade lá fora. Precisava vencer seu próprio corpo e atravessar a porta do quarto. Dali para frente seria fácil, a veria na escola e tiraria a prova. Mas e se ela nem olhasse para ele, confirmando o sonho, ou pior, porque não quer vê-lo mais? E agora? Enquanto isso, o ponteiro do relógio andava, e a vida continuava do lado de fora da janela dele. Era tarde, não adiantava mais, a aula já havia começado. Voltou para cama, pois concluiu que, pelo menos por hora, os sonhos eram melhores do que uma possível e cruel realidade. 


Vanessa Zordan 

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