sábado, 3 de novembro de 2012

Angelina


Eu aqui com o passado nas mãos
Em forma de documento
Fico a imaginar como era

Viver naquele tempo
Idos de 1923
Na certidão de casamento dos meus avós
Data de nascimento não consta
E o vazio em meu coração
É cem vezes maior
Que o vazio das linhas por preencher
Burocráticas e irritantemente formais
Rotulam as pessoas
E o próprio tempo
Antigamente...
Cartas com selos multicoloridos
Eram o único meio de comunicação
E como custavam a chegar!

A carta de um escriba desconhecido
Deixou claro o analfabetismo do meu tio avô:
“Angelina, mande notícias,
Seus irmãos querem saber de você.
Adolpho manda o retrato de seus filhos gêmeos
José e Antônio. Enderece
Aos cuidados do senhor Gino Contart
Caixa Postal 39 – Ituverava”
Foi a quem recorreu Adolpho Lazari
Para escrever à querida irmã Angelina
O motivo? Saudades da pequenina
Que ele jogara para o alto
Logo ao chegar da Itália.
Ela cresceu e casou-se
E não sem chorar
Deixou sua casta para trás
Precisava acompanhar a nova família
O destino foi Penápolis
E aos parentes nunca mais os viu
O que sofreu ou sentiu?
Não sei...só sei que carregava um amargo doído
Uma tristeza aborrecida
De queixo na mão e olhos verdes distantes
Magoados por só saber dos parentes
Por cartas e míseras fotos
Tão escassas e incapazes de
Adivinhar novas rugas
E tocar cabelos e faces e mãos
Como nos afagos da infância de risadas contentes
Os olhos agora eram uma película fotográfica
E o tempo um cruel algoz
Sobreviveu...
Contentou-se com cartas
Que não traziam sequer a caligrafia do familiar
Mas tinham o coração rasgado como o dela.
Tempos cruéis.
E eu aqui querendo uma foto
Que congelasse esse momento
Só para que eu pudesse voltar no tempo
E dizer aos adultos negligentes
De algumas poucas décadas atrás
Que era simples, óbvio e fácil
Desentristecer Angelina
Bastava uma foto, uma única foto
Mas de verdade.

Vanessa Zordan 

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